Homenagens
O sentido das homenagens em um congresso de semiótica
Bruno Pompeu
A palavra “homenagem”, que ganha essa forma no provençal antigo (“omenatge”), vem do latim “hominatĭcus”, que quer dizer “humanístico”, tendo sido usada originalmente para designar o ato de retribuição e agradecimento de um vassalo pelo seu senhor, a quem era devida sua total fidelidade. Vem daí esse misto de sentidos tipicamente euro-medievais, da honra e da nobreza, da bravura e da lealdade.
Mas o valor da gratidão e da recompensa é evidentemente muito anterior e muito mais abrangente do que isso. Sociedades primitivas em diferentes partes do mundo já prestavam homenagens aos seus líderes – espirituais e políticos – e também aos seus deuses ou seres místicos, sempre como forma de retribuir um bem por eles feito ou protegido.
Há, como se nota, um profundo senso de assimetria nas homenagens. O vassalo homenageia o suserano que lhe protege a vida, a comunidade homenageia o guerreiro que lhe defende o território, os fiéis homenageiam a divindade que lhe garante salvanção. É sempre alguém que está em posição de inferioridade – seja individualmente, seja coletivamente – expressando em ato simbólico sua relação com a figura proeminente.
Toda homenagem é também um ato póstumo, remetendo obrigatoriamente a algo que já tenha sido realizado – um feito, uma façanha, um ato destacado. Há uma temporalidade na homenagem que precisa ser compreendida. Ela se revela como um ato pontual, no presente, que faz remissão a um ato anterior, que deve ser assim eternizado, se projetando em direção ao futuro e à eternidade. A homenagem, nessa perspectiva temporal, fixa, ao mesmo tempo em que move.
A homenagem, como muito do que simbolicamente o homem vem fazendo, é um poderoso instrumento de conservação dos seus valores, sendo ao mesmo tempo o registro da sua constante mudança. A homenagem, portanto, serve também para que a tradição e a renovação se apaziguem. O jovem promissor, quando homenageia seu mestre, quer em alguma medida abrir caminho para que ele próprio possa vir um dia a ser homenageado. O líder homenageado, ao se curvar para receber uma coroa de louros, uma faixa, uma medalha, uma placa ou um troféu, assume sua condição de retirada, em palanquim de glória e fausto. As homenagens, no contexto específico deste congresso, talvez sejam a melhor expressão do que se busca com a temática desta edição: o futuro da semiótica e a semiótica do futuro. Por “semiótica do futuro” não dizemos apenas de estudos semióticos sobre o futuro, dizemos também da semiótica que vai ser feita no futuro – esta que não pode não reconhecer os feitos de seus homenageados, esta que, no entanto, precisa buscar com esse legado nas costas o rumo do frescor. Sem isso, não haverá o “futuro da semiótica”.
Se deuses e pessoas comuns, vivos e mortos podem ser igualmente homenageados, é porque há algo na homenagem que também transcende a vida. A figura homenageada, quando já morta, se faz viva e presente; se ainda viva, se imortaliza e se afasta. A homenagem faz com que o sujeito homenageado morto desça um pouco do céu e fique com a gente. A homenagem faz com que o sujeito homenageado viva, sem nos deixar, suba ao plano do inalcançável.
O meio acadêmico, com sua pretensa objetividade e sua reconhecida dinâmica política, também é afeito às homenagens. No contexto específico da semiótica, em que as significações e os significados das coisas são o que importa, isso tem um sentido adicional. E foi justamente com esse misto de tentativa de objetividade, ímpeto político e consciência simbólica que chegamos, nós da Comissão de Homenagens, à lista de homenageados do X Congresso Latino-americano de Semiótica. Definimos critérios e limites, como quem compõe o corpus de uma pesquisa; procuramos dizer algo com a escolha, como se faz em cada gesto político; pensamos no que significa cada elemento que compõe a realização de uma homenagem. Pois assim chegamos a uma lista de homenageados de que só se pode orgulhar.
Temos nomes de diferentes países da América Latina, com evidente e proposital predomínio de pesquisadores do Brasil, país que desta vez é o anfitrião do evento e, portanto, manda na festa. Faremos homenagens a pesquisadores vivos – afinal, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito já nos ensinaram que é melhor dar flores em vida –, mas também a mortos – basicamente aos líderes que nos deixaram mais recentemente. Privilegiamos figuras que se notabilizaram por razões diferentes no plano acadêmico: pela formação de novos pesquisadores, pela tradução de determinada obra até então inacessível, pelo esforço na aproximação entre as diferentes vertentes do campo e, claro, pela sua contribuição intelectual aos estudos em semiótica.
A lista de homenageados tem unanimidades – o que, em se tratando de semiótica, é na prática um milagre –, mas guarda em segredo também algumas diferenças mal superadas. Entre peirceanos, greimasianos e semioticistas da cultural, salvamo-nos todos da comissão. E assim salvamos também os que sempre nos salvaram. Aos mestres, as homenagens.
El significado de los homenajes en un congreso de semiótica
Bruno Pompeu
La palabra “homenaje”, que toma esta forma en provenzal antiguo (“omenatge”), proviene del latín “hominatĭcus”, que significa “humanista”, habiendo sido originalmente utilizada para designar el acto de retribución y gratitud de un vasallo por su señor, a quien se debía su total fidelidad. De ahí esta mezcla de significados típicamente euromedievales, de honor y nobleza, de valentía y lealtad.
Pero el valor de la gratitud y la recompensa es evidentemente mucho más antiguo y mucho más amplio que eso. Sociedades primitivas en distintas partes del mundo ya rendían homenaje a sus líderes -espirituales y políticos- y también a sus dioses o seres místicos, siempre como forma de retribuir un bien hecho o protegido por ellos.
Hay, como puede verse, un profundo sentido de asimetría en los homenajes. El vasallo rinde homenaje al soberano que protege su vida, la comunidad rinde homenaje al guerrero que defiende su territorio, los fieles rinden homenaje a la divinidad que garantiza su salvación. Siempre es alguien que se encuentra en posición de inferioridad –ya sea individual o colectivamente– expresando en un acto simbólico su relación con el personaje destacado.
Todo homenaje es también un acto póstumo, que necesariamente se refiere a algo que ya se ha cumplido: una hazaña, un acto sobresaliente. Hay una temporalidad en el homenaje que es necesario entender. Se revela como un acto puntual, en el presente, que hace referencia a un acto anterior, que debe eternizarse, proyectándose hacia el futuro y la eternidad. El homenaje, en esta perspectiva temporal, fija, al mismo tiempo que se mueve.
El homenaje, como gran parte de lo que el hombre ha hecho simbólicamente, es un poderoso instrumento para conservar sus valores, siendo al mismo tiempo un registro de su constante cambio. El homenaje, por tanto, sirve también para apaciguar la tradición y la renovación. El joven prometedor, cuando rinde homenaje a su maestro, quiere en cierta medida allanar el camino para que él mismo pueda algún día ser homenajeado. El líder homenajeado, al inclinarse para recibir una corona de laurel, una banda, una medalla, una placa o un trofeo, asume su condición de retirado, sobre un palanquín de gloria y pompa. Los homenajes, en el contexto específico de este congreso, son quizás la mejor expresión de lo que se busca con el tema de esta edición: el futuro de la semiótica y la semiótica del futuro. Por “semiótica del futuro” no nos referimos sólo a los estudios semióticos sobre el futuro, sino también a la semiótica que se hará en el futuro: ésta que no puede dejar de reconocer los logros de sus homenajeados, ésta que no puede dejar de reconocer los logros de sus homenajeados, ésta que, sin embargo, necesita buscar con este legado en la espalda la dirección del futuro. Sin esto, no habrá “futuro de la semiótica”.
Si los dioses y la gente común, viva y muerta, pueden ser igualmente homenajeados, es porque hay algo en el homenaje que también trasciende la vida. La figura homenajeada, cuando ya está muerta, vuelve viva y presente; si todavía está vivo, se inmortaliza y se aleja. El homenaje hace que el homenajeado súbdito fallecido descienda un poco del cielo y se quede con nosotros. El homenaje hace que el sujeto homenajeado vivo, sin abandonarnos, se eleve al plano de lo inalcanzable.
El mundo académico, con su supuesta objetividad y su reconocida dinámica política, también tiene familiaridad con los homenajes. En el contexto específico de la semiótica, donde lo que importa son las significaciones y los significados de las cosas, esto tiene un sentido adicional. Y fue precisamente con esta mezcla de intento de objetividad, ímpetu político y conciencia simbólica que nosotros, del Comité de Homenajes, llegamos a la lista de homenajeados del X Congreso Latinoamericano de Semiótica. Definimos criterios y límites, como quiénes componen el corpus de una investigación; intentamos decir algo con nuestras opciones, como se hace en todo gesto político; pensamos en qué significa cada elemento que compone un homenaje. Y así llegamos a una lista de homenajeados de la que sólo podemos estar orgullosos.
Contamos con nombres de diferentes países de América Latina, con un evidente y deliberado predominio de investigadores de Brasil, país que esta vez acoge el evento y, por tanto, es el encargado de la fiesta. Rendiremos homenaje a los investigadores vivos –al fin y al cabo, Nelson Cavaquinho y Guilherme de Brito ya nos han enseñado que es mejor regalar flores en vida–, pero también a los muertos –básicamente a los líderes que nos dejaron más recientemente. Privilegiamos a figuras que se destacaron a nivel académico por distintos motivos: por la formación de nuevos investigadores, por la traducción de una determinada obra que antes era inaccesible, por su esfuerzo por acercar diferentes aspectos del campo y, por supuesto, por su contribución intelectual a los estudios de semiótica.
La lista de homenajeados tiene nombres unánimes –lo que, cuando se trata de semiótica, es en la práctica un milagro–, pero también mantiene en secreto algunas diferencias mal superadas. Entre peirceanos, greimasianos y semióticos de la cultura, todos de la comisión nos salvamos. Y así salvamos también a quienes siempre nos han salvado. A los maestros, los homenajes.